O perigo silencioso que corrói valor: quando a rotina engole a estratégia nas empresas brasileiras
- Dr. Marco Antonio Lampoglia, MSc
- 26 de ago.
- 4 min de leitura

Há um risco discreto, mas real, rondando muitas organizações — especialmente as familiares: a sedutora segurança do Gerenciamento da Rotina. Cumpre-se prazo, reduz-se variabilidade, controla-se o dia a dia. Parece o certo. E, de fato, é meio certo. O problema surge quando esse meio certo vira o todo, e a Gestão Estratégica é empurrada para amanhã. Nesse ponto, instala-se a miopia operacional: a empresa fica cada vez mais eficiente para seguir… na direção errada.
Pense no barco. A rotina é o lastro: estabiliza. A estratégia é o leme: define o rumo. Sem leme, o barco anda — mas não necessariamente para onde gera valor. Em empresas brasileiras que acompanhei, de indústria e serviços, a troca do “apagar incêndios” por cadência estratégica trouxe efeitos mensuráveis. Ao combinar OKR + GPD com ritos semanais, vimos OEE saltar de ~62% para ~73% em 90 dias, lead time cair de ~18 para ~11 dias, retrabalho reduzir ~35%, giro de estoque subir ~0,8x, NPS avançar ~12 p.p., retenção aumentar ~6–10 p.p. e EBITDA crescer ~2–3 p.p. em 6–9 meses, com receita acelerando ~8–12% ao ano. O padrão é claro: a rotina sustenta; a estratégia multiplica.
Por que, então, priorizamos a rotina? Primeiro, aversão a risco e culto ao caixa do mês: aquilo que “fecha o período” recebe atenção total, mesmo que estrangule o próximo trimestre. Segundo, cultura do fundador — que é valiosa no início, mas, perpetuada sem governança, concentra decisões no curto prazo e pune a experimentação. Terceiro, painéis cegos: mede-se muito o que é operacional e quase nada do que aponta para valor (EBITDA, NPS, OEE, crescimento de contas chave). Por fim, o reforço da urgência: problemas gritantes puxam toda a energia; o importante, silencioso, vai sendo adiado.
Os sintomas aparecem rápido. Projetos estratégicos começam sem dono e sem marcos trimestrais; reuniões degeneram em agendas de incêndios, esvaziando qualquer discussão de portfólio de iniciativas; lideranças passam mais tempo controlando do que desenvolvendo pessoas; o retrabalho é normalizado, sem A3/PDCA que ataque causa-raiz; e clientes chave seguem sem planos de crescimento/retenção, como se o relacionamento se sustentasse sozinho. Quando esses sinais se acumulam, a empresa melhora indicadores locais, mas desacelera valor global. É o típico caso em que “o número da fábrica está bom” enquanto o valor do negócio estaciona.
A boa notícia: equilibrar rotinas com estratégia é pragmático e começa em semanas, não anos. O passo inicial não é heroico; é cadência. Traga OKRs trimestrais desdobrados via GPD, com owner, marcos e revisões mensais; institua reuniões 70/30 (70% pauta estratégica, 30% operação), com sprints quinzenais para remover barreiras; trate o retrabalho como número um do trimestre, com A3/PDCA para −30% em 90 dias; torne visível o que cria valor com um dashboard diário que una OEE, lead time, NPS, EBITDA (p.p.) e status dos projetos; separe um capex mínimo estratégico por trimestre para automação/analytics com business case simples; e ajuste a agenda dos líderes para incluir 4 horas semanais de coaching e gemba coaching — não é “tempo extra”, é o trabalho do líder. Em paralelo, estruture planos para clientes-chave (crescimento, retenção, share of wallet) e libere oxigênio com um OKR anti-incêndio (redução de chamados urgentes e backlog crítico). Para disciplinar escolhas, um Comitê de Direção com mata iniciativas que não geram valor e prioriza as que geram. Se o custo fixo está engessando, faça um OBZ leve em 60 dias, realocando despesas da rotina para iniciativas estratégicas.
“Mas isso funciona na prática?” Na prática é onde funciona. Em empresas que adotaram esse equilíbrio, os ganhos de 12 meses tendem a convergir: +2–4 p.p. de EBITDA, −15–25% de lead time, −30–40% de retrabalho, +8–12% de receita, +5–10 p.p. de retenção. E, talvez mais importante, a qualidade das decisões melhora: deixa-se de otimizar departamentos e passa-se a otimizar o sistema inteiro.
Há um ponto cultural crucial. Empresa familiar não está errada ao fortalecer a rotina — foi assim que ela sobreviveu às crises. O erro é parar aí. Quando a rotina vira religião, a organização fica excelente em manter o que já existe, mas perde musculatura para construir o que precisa existir. É aqui que a Gestão Estratégica deixa de ser “plano bonito” e vira sistema de escolhas, priorização e aprendizado. Estratégia não é tirar o gestor do chão de fábrica; é recolocar o gestor no papel que só ele pode cumprir: escolher rumos, desenvolver gente e remover obstáculos.
Se você reconhece alguns sinais na sua operação, comece pequeno, mas comece agora: escolha um gargalo de retrabalho e rode um A3 completo; defina dois OKRs trimestrais com impacto em EBITDA e clientes-chave; publique um dashboard diário que todo mundo veja; e proteja na agenda um rito 70/30 que não seja cancelado. Em 30–90 dias, a organização sente o efeito: menos incêndios, mais foco, mais aprendizado. Em 6–9 meses, os números confirmam: EBITDA sobe, clientes ficam, o time engaja.
O verdadeiro risco, portanto, não é investir na rotina — é aceitar que ela se torne o substituto da estratégia. Rotina sem rumo é eficiência que empobrece. O equilíbrio intencional entre lastro e leme é o que protege valor, crescimento e perenidade.
Convite: posso conduzir a palestra/webinar “Rotina × Estratégia: como evitar a miopia operacional”. Se fizer sentido para sua realidade, agende uma videoconferência de alinhamento comigo: adaptamos esse playbook ao seu contexto e definimos, juntos, quais três movimentos começar nas próximas quatro semanas.




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